9º Assombro (ou um nome que me sirva. Como a chuva, por exemplo)
Quando chove as pessoas dizem: todas as coisas
(as coisas todas e tudo o que há nas coisas)
ficam tristes. E é sempre o meu nome que ouço
(o único que sei servir-me).
Quando chove com a vagarosa gravidade das coisas tristes
(todas)
é sempre o meu nome que cai nas gotas transparentes. Quando chove devagar há quase sempre um saxofone
(por exemplo)
que acompanha as gotas como se a melancolia invadisse as ruas por onde passam pessoas. E as casas, e a pele e os ossos delas. Porque quando chove
(um saxofone rouco)
todas as coisas ficam tristes. E os salpicos que as luzes transformam em água verdadeira mancham-nos a bainha das calças
(o bater do coração).
A chuva traz o meu nome
(o que me serve)
não sei de onde. E à pergunta que me fazem, não respondo
(não sei),
nunca sei como hão-de chamar-me os outros. Os que dizem quando chove as coisas ficam
(tristes)
molhadas. Não é nome que te sirva. E eu que só reconheço as gotas e as notas melancólicas
(por exemplo)
dos saxofones na chuva, eu, não respondo
(respondo sempre)
que não tenho
(outro)
nome que me sirva. Que todos os nomes que me deram não são meus
(nunca foram),
apesar de voltar sempre a cabeça ou chegar-me à beira da realidade como quem existe mesmo,
(mas não)
em nenhum dos nomes que me deram me encontro toda
(com a bainha do coração molhada)
como naquele que a chuva traz
(do fundo do inverno),
como naquele que a água me cola aos ossos, quando cai, anunciando
(um nome que me serve)
a tristeza que há nas coisas.