Wednesday, July 11, 2007

12º Destroço (ou explicar borboletas a tartarugas*)

Não me apetece escrever mas grito sem fazer barulho

(para dentro ou lá o que é)

que é para ver se me ouvem ou ouvir se me vêem

(sei lá para quê).

Eu não devia escrever. Mas depois lembro-me

(escrever é também calar-se**)

e acho que concordo

(que eu nunca sei se estou ou não de acordo ou se assim-assim)

que é gritar sem barulho isto de escrever

(mesmo que seja pouco. Mesmo que seja mal).

Eu não devia escrever. Na realidade não há nada sobre o que valha a pena juntar duas letras ou mais

(fazer uma frase),

apenas alguém

(insuficiente)

a quem foi inútil explicar borboletas

(quanto mais fazer-lhe ver a importância dos terramotos que me abalam dentro).

Não é para isso que julgo que escrevo

(falar de gente com carapaça)

mas não sei, honestamente, para que escrevo hoje

(se devia estar a gritar muito calada).

Escrever sobre como

(não se pode)

explicar borboletas a tartarugas, parece-me tão inútil

(medíocre, até)

como usar brincos em orelhas pequeninas. É certo que mais valia

(sem fazer barulho)

gritar para dentro da carapaça que as pessoas põe quando são muito crescidas e responsáveis e rotineiras

(como ratos de gaiola)

e monótonas e lentas e desapaixonadas e desconfio mesmo se chegam a ser

(pessoas)

felizes como as tartarugas que seculares tudo desconhecem sobre a brevidade leve das borboletas

(como se explica isto?).

Não tenho nada sobre o que escrever. Só os terramotos e as borboletas que não sei explicar às tartarugas que por vezes aparecem

(vagarosas como sempre)

para me lembrar que detesto pessoas crescidas. E que devia pousar como quem se cala

(não escrever)

as mãos impacientes.

* Amos Oz in O Mesmo Mar, p.29

** Marguerite Duras - Écrire

11 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Como sempre, gostei.

Melly

Beijo

13/7/07 9:01 PM  
Blogger Elisa said...

Melly, mas que saudades que eu já tinha das tuas visitas. Está tudo bem? Espero que sim e muito obrigada pela visita.
Beijo

14/7/07 9:16 AM  
Anonymous Anonymous said...

Está Elisa. Actualmente, procurei-te pelas ruas de Aveiro. Mas como estava hipnotizada pelos azulejos e belas casas, pois perco contacto com a realidade, certamente até passei por ti e não dei conta...

Beijo,

Melly

14/7/07 7:06 PM  
Blogger Elisa said...

Melly
Não acredito!!! Este em Portugal e não disse nada? E em Aveiro??? Hum... não sei se desculpo. Teria tido um imenso prazer em conhecê-la pessoalmente... mas bom, espero que regresse em breve. Sim?
beijo

14/7/07 7:09 PM  
Anonymous Anonymous said...

esta tua pérola literária faz-me lembrar uma série de crónicas que escrevi sobre a condição de escrever (tu conheces, lá do "exortação"). e portanto compreendo muito bem isto que é dito. muito bem colocadas as citações, que parece não ficarem tão contextualizadas sem as tuas próprias palavras. é mais uma vez parabéns, entre uma infinitude deles. senhora do dom.

18/7/07 6:09 AM  
Blogger Elisa said...

Sim, conheço... mas isto não é uma pérola, meu amigo... e eu sei que compreendes bem :-) Melhor que eu.
Beijos

18/7/07 7:38 AM  
Blogger José Alexandre Ramos said...

ok, um diamante... desculpa!

hehehehe beijos.

18/7/07 1:12 PM  
Blogger Elisa said...

um diamante... hum...

18/7/07 8:57 PM  
Blogger © Maria Manuel said...

talvez as tartarugas receiem «a brevidade leve das borboletas», talvez...

anyway, gostava que não pousasses essas tuas «mãos impacientes» ;)

13/8/07 12:06 AM  
Blogger Elisa said...

Hum... as mãos encontram-se desinspiradas Maria. Sem a leveza das borboletas... mais com a gravidade das tarturagas, provavelmente
:)

13/8/07 8:49 AM  
Blogger aquelabruxa said...

hum, muito bom! estou meio farta de poesia, mas a tua é refrescante! voltarei.
(ando à pesca de novos blogues interessantes para visitar, o teu fica no anzol)

10/4/08 4:53 AM  

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