11º Assombro (ou onde estou há longos minutos...)
(de onde chegam as palavras, quando chegam?)
com os nós dos dedos brancos de tanto apertar as mãos à procura de outras, não sei se as tuas, que me desfaçam as solidões, as saudades, os lugares todos onde estive já e
(onde chegamos, depois de todos os lugares onde estivemos?)
nada acontece. Para além da janela as luzes continuam a existir, alheias à solidão dos meus dedos, à súbita amnésia da minha boca
(não quero dizer nada e, no entanto, estou sentada há longos minutos à espera das palavras)
que já raramente se abre, esquecida dos beijos, das pálpebras, do tecido dos corpos quando amam. Para além da janela os autocarros continuam
(a passar)
a lembrar-me as viagens que se fazem para sítios tão longínquos
(todos os lugares onde estive)
como outras mãos que se apertam tecendo pequenas penínsulas de ternura que nos salvam
(abro a janela)
das primeiras horas impossíveis da manhã. As mesmas em que me sento na cadeira, longos minutos, à espera que qualquer palavra chegue e me faça
(saltar)
querer voltar a aconchegar-me ao sono tranquilo dos que não procuram com os nós dos dedos brancos, um continente onde ancorar o medo
(chegar)
de não ser capaz de encontrar o caminho de regresso de todos os lugares onde já teci as palavras, os beijos, a pele. Chego-me à janela e vejo os autocarros vazios
(é uma hora impossível)
que passam no sossego de quem esquece as viagens que se fazem dentro
(longe é onde?)
até ao fundo da noite, com as janelas abertas ao salto
(voar é como?)
que não acontece nunca, porque as palavras
(como facas afiadas, rasgando nuvens)
encontram-me sempre, segurando-me ao parapeito como outras mãos
(não sei se as tuas)
a desfazer-me os dedos solitários.
* o mote foi dado pelo belo texto do Alexandre - A mesma viagem