Thursday, February 01, 2007

10º Destroço (ou o silêncio. A revelação)

Podia ser mais leve a evidência
(e às vezes é)
do corpo cansado que deixou de esperar
(embora pareça que espera, pela posição quieta das mãos sobre os joelhos).
Não volto a ter vinte anos e tendo dito isto
(silêncio)
é certo que podia ser mais leve a evidência de que os teus olhos me estão vedados
(embora não pareça pelo que neles haveria, se me visses).
Podia ser mais leve a revelação da tua boca
(se eu soubesse ainda imaginar)
lavrando caminhos novos sobre aquilo que me resta do corpo que deixei aos vinte anos
(podia ser menos cruel).
É certo que tudo em ti me está vedado
(uma parede)
como se fosses um desejo lento e longo
(isto dói-me)
que eu trouxe de mim, quando era eu que tinha
(vinte anos)
uma boca que revolvia corpos à procura
(mas isso foi há muito tempo)
de ti, mesmo sem saber que existias
(onde estavas quando eu tive vinte anos?).
Podiam ser menos verdade as tuas mãos que nunca pousas sobre os joelhos
(são gestos de velho)
porque tens pressa. E ainda não sabes que o tempo é lento e longo
(como os desejos que não se cumprem)
e que às vezes nos dói e não sabemos onde e não sabemos quando e não sabemos como. Podia ser mais enganadora
(a verdade)
a evidência do meu sangue agitado
(apesar do sossego à superfície da pele)
quando ouso imaginar que nada em ti não pode senão pertencer-me, como pertencem as ruas aos pássaros e os gritos à noite. Podia ser mais leve a evidência
(gostava de te amar)
de que me doem os ossos todos à força de manter as mãos quietas
(e tremo)
sobre os joelhos, tentando ignorar o incumprido desejo de te fazer morrer, como uma cidade que se afunda
(para onde foram os pássaros?),
de amor, ou apenas de mim quando tinha vinte anos e pressa e não sabia que o tempo é lento e longo e nos dói
(já não grito)
precisamente, exactamente, como uma faca a remexer-nos a carne. Podia ser menos dura a verdade desta dor
(esta, aqui, agora mesmo)
sem boca
(ou o silêncio)
que me revela
(para sempre)
perdida nos teus olhos.

4 Comments:

Blogger Carla Ribeiro said...

Não consigo explicar o que senti quando li o teu poema... Posso-te dizer que foi algo muito profundo e muito forte. Gostei muito.

2/2/07 4:30 AM  
Blogger Elisa said...

Tens 20 anos Carla. Justamente a idade dos sentimentos fortes :-)
Ainda bem que gostaste.

2/2/07 8:58 AM  
Blogger isabel mendes ferreira said...

eu presumo que não ache muita "graça"...e peço-lhe que me desculpe....


ou se de todo não quizer ver-se no piano que mo diga...mas ...

está lá....

porque acho que mais deveriam ter o mesmo prazer que eu....lendo este livro.


:_________________
beijo.

19/2/07 10:14 AM  
Blogger Elisa said...

Oh Isabel
por favor. Claro que gosto que goste do que eu escrevo... e de estar presente com certeza.
Um beijo grande

19/2/07 5:45 PM  

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