Tuesday, January 02, 2007

10º Assombro (ou uma estrada. Para lugar nenhum)

Muita gente parece saber para onde vai. Passam com a confiança dos que têm destino. Dos que seguem
(uma estrada)
o caminho certo
(para onde?)
que também eu já conheci. Há qualquer coisa nas pessoas que passam, assim, pisando com o passo
(seguramente)
acertado dos que sabem aquilo
(o quê?),
que também eu julguei saber
(o nome das árvores)
que me comove. Gostava de ter ficado assim, pisando seguramente a estrada. Identificando as árvores, sabendo o nome de tudo
(mas não)
como se houvesse um destino. Como se todas as manhãs nascessem evidentes
(e pontuais).
Gostava de ter permanecido na companhia desta gente que parece saber
(para onde vai)
qualquer coisa que a mim já me esqueceu. Mas eu não sou de companhia
(enfim, não mais que a necessária).
Mas eu passo os dias, dos anos todos, a ensaiar nomes diferentes
(quando talvez só haja um nome que sirva tudo)
para os dedos. Os rios. As casas. As ruas. E nada se abre quando pronuncio esses nomes. Toda a gente continua a saber exactamente para onde ir e eu fico
(a boca formando mindinho)
aqui. Não tenho para onde ir. Não sei. A estrada é sempre a mesma ainda que as pessoas mudem
(os seus destinos)
e me pareçam diferentes. Como as manhãs que vou recusando conhecer. Ou como o sol que tenho rejeitado com a minúcia dos que tricotam
(um destino)
casaquinhos de bébé. Acho que já andei nessa estrada sempre a mesma. A saber poesia de cor, com a exactidão das formigas. Também já soube onde ir. Ao encontro de quem. E por quanto tempo. Soube esticar o indicador
(não sei onde guardei as agulhas do tricot)
e indicar direcções. Há
(raramente)
ainda manhãs também para mim evidentes em que acontece pensar que acabei de vir ao mundo. Mas
(habitualmente)
é o mundo que acaba por vir até mim, com muita estridência, exigindo que me levante e caminhe. Mas eu desaprendi a fazer a estrada e já não sei de onde venho
(vou para onde?)
e só espero que não me gritem direcções. Às vezes encontro pessoas muito silenciosas que não sabem nada de estradas. Ou destinos. Não usam o indicador
(apontam muito pequenino, esticando o mindinho)
e dessas gosto. Como se fossem noites
(mas é raro)
e ficamos a ensaiar nomes diferentes para tudo, enquanto vemos
(comovidos)
as pessoas que
(sabem o que já nos esqueceu)
seguem
(uma estrada)
seguramente
(para lugar nenhum).

14 Comments:

Blogger George Cassiel said...

Bom ano! Boas palavras!

5/1/07 2:05 AM  
Blogger Elisa said...

Obrigada George e igualmente

5/1/07 7:53 AM  
Anonymous Anonymous said...

I read. I pause. I smile...for here I see my soul's relection....

7/1/07 6:33 PM  
Blogger Elisa said...

:-) M.

8/1/07 8:21 AM  
Blogger Ana Fonseca said...

Chego aqui por acaso. Não sei que estrada me trouxe, nem que caminhos escolhi! Prendeste-me! Leio a minha alma nas tuas palavras! Continuo a andar em frente sem saber onde é o sítio onde quero que ela acabe... Talvez queira só continuar, sempre escolhendo, nos entroncamentos, o caminho que me parece, de longe, mais bonito! Não há uma frase deste texto que consiga retirar ou admirar mais que todas as outras! Adorei! Virei mais vezes, com certeza!
Obrigada pelos momentos que me proporcionaste ao ler-te!

9/1/07 12:14 PM  
Blogger Elisa said...

Ana
eu é que agradeço as tuas palavras, naturalmente.
Obrigada

9/1/07 3:23 PM  
Blogger Susana Miguel said...

«E que por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo, e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor»

Herberto Helder

Um abraço:)

10/1/07 5:39 PM  
Blogger Elisa said...

aida
muito obrigada por esse belo naco de poesia.

10/1/07 6:07 PM  
Blogger Letras de Babel said...

mestria, originalidade__________

palavras entre parêntises...palavras à solta....palavras do todo_____

_____como se fosse escrito a três mãos.

Deslumbrei-me.

E vou levar alguma coisa deste blog para o meu (devidamente identificado, claro)...


deixas?

__________

13/1/07 7:48 PM  
Blogger Elisa said...

Claro Nan. E muito obrigada

14/1/07 5:14 PM  
Blogger José Alexandre Ramos said...

só para dizer que continuo a gostar muito de te ler.

16/1/07 3:05 PM  
Blogger Elisa said...

Alexandre
Só para dizer que não precisas de o dizer... eu sei. E não é presunção ou falta de modéstia... é porque eu sei que estás aí e me lês e agradeço-te por isso e por mais algumas coisas.
Um beijo

16/1/07 6:32 PM  
Blogger Letras de Babel said...

Hello, again

para uma pergunta: não tens nada disto publicado? se não, não pensas publicar?

e para além disto deves ter muito mais coisas escritas, penso eu...



Beijo

18/1/07 7:16 PM  
Blogger Elisa said...

nan
eu não escrevo para que se publique. A resposta é não, não tenho nada disto publicado. Se pensei em publicar? Nunca, activamente.
Mais coisas escritas... sim, algumas. Olha podes ver coisas mais curtas, ao som de jazz, no meu outro blog: http://bebedeirasdejazz.blogspot.com
Beijo e muito obrigada por gostares de me ler e assim

19/1/07 12:31 PM  

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