Friday, November 17, 2006

10º Regresso (ou o lugar onde morremos)

No lugar onde pões as coisas que te fazem falta, dizes que me guardas

(não a mim, mas ao que não escrevo)

como um tesouro antigo ou como qualquer coisa para onde olhas

(à procura de inquietação)

quando queres encontrar o que não deve ser dito

(as não palavras).

No lugar onde guardas o que de ti não queres perder, dizes que carregas

(as bombas)

o que não atiras à vida. Como os teus olhares perdidos

(para onde olhamos quando vemos?),

como os teus olhares que hão-de ser, noutros lugares que não são iguais a esse onde agoras escondes os olhos de outros

(o que vemos, quando não olhamos?).

No lugar onde te carregas escondes os meus olhos para veres o que digo quando não quero dizer nada

(nunca tenho nada para dizer),

quando não há sequer uma palavra que apague o teu próprio peso.

Dizes que guardas o meu lugar

(é onde?)

e que é o mesmo onde ainda não chegaste. E eu penso que nunca chegarás a esse pequeno sítio onde tantas vezes morri

(apenas por que não escrevi as palavras justas),

esse lugar diminuto que sou eu e não sou eu

(não existo)

porque por mais que o conheça não foi lá que me encontrei ou me perdi. Esse lugar não existe. Mas eu conheço-o

(o pânico)

como se andasse comigo onde me carrego

(aos dias).

Guardar as coisas que não são, não é suficiente para o que ainda queres ver. Guardar as coisas que os outros não têm para dizer, não traz

(o silêncio)

os gritos que escutarias se deitasses fora as bombas. Um dia, dizes, quando puderes

(voltar a não morrer)

escolherás as palavras

(justas)

para o que não tem resposta. Não chegarás a esse lugar onde imaginas que eu cheguei porque tens olhos

(e ainda queres ver)

e pernas e boca. E essas duas mãos das quais nascem os mapas com que chegarás a outros

(lugares)

dias. E

(se voltares a não morrer)

é neles que te farás explodir. Deita-me fora

(aproveita o silêncio),

eu não presto. Eu não conheço palavras justas

(eu já morri),

que possam ser guardadas como guardas as coisas que te são precisas. Não me guardes

(não há nada em mim que faça falta)

e depois escreve

(na ausência dos escombros),

porque onde deixares de escrever

(o lugar onde cheguei, sem ver)

é onde se encontra a morte para sempre.

Thursday, November 02, 2006

9º Destroço (ou não te disse adeus. E tenho frio)

Não te disse
(adeus)
que tinha frio. E depois encontrei-te deitado no chão

(arrefecido),

inclinado na assombrosa posição de quem entra no sono e deixa a vida parada num sítio qualquer

(onde foi?).

Não te disse adeus

(não me deixaste)

e não sei como posso continuar a fingir para toda a eternidade

(um lugar tão grande)

que não é o frio que me invade os ossos para sempre. Foste para onde? Não levaste os óculos, nem o casaco. Não levaste os documentos. Não levaste o beijo. Não me disseste

(também)

adeus. Para onde foste? Não deves ter ido longe

(onde fica a eternidade?),

porque nada levaste do que te fazia falta, quando saías. E deixaste-me aqui cheia de frio a olhar para o chão. O mesmo chão onde te encontrei arrefecido

(sem regresso)

com aquele ar tranquilo dos que encontraram o que procuraram sempre

(como viste, sem os óculos?).

O ar tranquilo que põe as pessoas quando sonham

(com que sonhas agora?)

e quando não têm frio

(alguém levou os teus casacos).

Não te disse adeus. E custa-me este frio sob os pés que me acompanha onde quer que os ponha. Custa-me o medo que chega de madrugada

(e agora quem me sonha?)

e fica ali a adiar-me o sono. A adiar-me a vida. Custa-me o desassossegado sono que de manhã se anuncia

(eu nunca sonho)

alimentando a incompreensão do mundo. Às vezes abro as gavetas. Os óculos olham-me do fundo e parecem querer dizer qualquer coisa. Mas nada é dito e eu continuo a olhar as lentes à espera de compreender. Pego com cuidado na tua carteira

(intacta)

e vejo a minha fotografia sorridente

(ria-me de quê?).

Aquela pele muito branca. Os olhos muito claros. O cabelo muito curto. A camisa muito cor-de-rosa, como se esperasse ser para sempre a

(tua)

menina a quem chamavas meu amor. E a seguir olho para as tuas fotografias, nos cartões. E percebo que já não és

(meu)

aquele homem tranquilo que me sonhava. Que há qualquer coisa que devia ter sido compreendida antes de tudo ter começado do voo que fizeste, rente ao chão

(o que era, porra?).

Abro depois os cadernos. A letra torta com que me dedicavas palavras. Aquela letra agora morta que já não serve para nada

(como queres que compreenda?)

como tu.

Não te disse

(tenho tanto frio)

adeus. E não sou capaz de perceber porque é que não fui eu

(a menina branca de camisa cor-de-rosa)

a transformar-se no pássaro da eternidade. E porque é que não és tu

(o tranquilo homem que me sonhava)

quem observa agora o chão, as fotografias, os óculos, a letra morta, e

(para sempre)

não compreende nada. Porque é que não és tu

(no mesmo chão)

aquele que

(cheio de frio)

não me disse adeus.
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