Não sei quanto tempo passou
(sempre fizeste contas muito melhor que eu)
mas parece-me que foi muito. Antes que te pudesse ver outra vez ali naquela luz de Lisboa
(um cliché perfeito, como quase todos o são).
Antes que pudesse perceber que te perdi para sempre, da mesma maneira que fui perdendo pessoas e objectos, mesmo procurando guardá-los em caixas, dentro dos livros, em cantos da memória
(nunca me apeteceu perder nada).
Antes que pudesse perceber porque é que a luz de Lisboa, na tua pele, te tornou
(para sempre)
a única pessoa que
(agora)
eu poderia ter amado com a exacta urgência de quando era adolescente.
Não sei quanto tempo passou
(não é uma coisa importante)
antes que te pudesse ver a esta luz. Uma luz feita de água e girassóis. Irrepetível como todos os gestos perfeitos que fizemos
(antes)
e que se foram esvaziando como um balão esquecido, depois das mãos das crianças.
Tantas vezes quis tocar-te
(nesta tarde)
como antes te tocava as sobrancelhas ou o sítio onde o cabelo começa a rarear-te ou os dedos com que
(me tocavas)
pegas em tudo
(a chávena do café, o cigarro, os papéis),
menos nas minhas mãos abandonadas à sua branca solidão.
E não te toco porque não sei quanto tempo passou e como lhe fizeste as contas. Não aproximo a minha boca da tua, a esta luz de Lisboa, porque não sei contar as pequenas rugas que os teus lábios formam e fico à espera que não regresses ao tempo
(muito, parece-me)
que passaste sem que eu te visse. A desejar que não te levantes da cadeira e te afastes direito ao sol do fim do dia
(longe)
ao encontro de uma vida que eu já não vivo, de um amor que já não será o meu.
Não sei quanto tempo passou
(mas parece-me que foi muito)
antes que pudesse ver-te a esta luz e saber
(com uma assustadora exactidão)
porque escorre de mim ainda este amor
(para sempre)
perdido.