Thursday, May 31, 2007

12º Assombro (ou há um gesto por fazer)

Há um gesto por fazer que não encontro quando estás de pé com a cabeça inclinada sobre o meu cabelo. Um gesto que não encontro. Quando te vejo luminoso e muito alto. Como naquelas gravuras representando deuses inexistentes num paraíso inventado

(apressado, como todos).

Por vezes quando não estás, deito-me com os olhos virados para dentro à procura de encontrar o gesto certo para quando

(nunca é hoje)

estiveres de novo com a cabeça inclinada sobre o meu cabelo perguntando-me coisas a que

(não)

respondo com a rapidez de quem espera outras perguntas. De modo a que a tua respiração nunca se afaste muito do meu pescoço. E eu sei

(sei)

que há um único gesto perfeito que não encontro nunca para respirar

(te)

ao ritmo com que respiras. Alto. E muito luminoso. Como um deus imperfeito

(como todos)

que caminha entre um oceano cheio de gente demasiado perfeita. Enjoativamente igual. E ver-te comove-me e eu não sei explicar isto. Antes faço o que não sei.

(Por exemplo)

ficar muito quieta na tua respiração. A comover-me porque existes. A pensar, com os olhos virados para dentro, num sossego aflito, que há

(de certeza)

um gesto por fazer que não encontro. A saber

(sem que tu repares)

que o único mundo que alguma vez será importante

(esse imperfeito paraíso, como todos)

está concentrado nas pequenas ondulações do teu peito

(tu respiras).

Há um gesto por fazer que nunca encontro. Eu

(banal, igual e tão perfeita)

que me pareço com toda a gente. Eu que caminho pelas ruas sem que ninguém repare. E ver-te comove-me como se fosses de água e eu de pedra branca, erodida pelos gestos por fazer que nunca encontro. E ver-te comove-me como se fosses música e eu não sei dizer-te

(quanto)

onde deixo as mãos quando estás de pé, com a cabeça inclinada sobre o meu cabelo. E fico muito quieta na tua respiração, a ouvir o mundo. À espera que as mãos me cheguem

(irresponsáveis)

e façam, sem que repare, esse gesto

(por fazer)

que não encontro.

Sunday, May 13, 2007

12º Regresso (ou errar. Ou o tempo)

Hoje choveu e eu venho

(o rádio com o som muito alto para esta hora da noite em que ninguém (me) ouve)

a acelerar na estrada que

(me lembre)

nunca fizemos juntos. Acelero com o som. Como quem quer mesmo derrapar

(outra vez).

E cheira bem lá fora. Como antes.

(hoje choveu)

e então abro a janela e acelero mais como quem

(se)

quer enganar


(que estrada é esta?)

o tempo. E eu venho a lembrar-me de ti. Do teu nariz

(lugar feliz)

na curva do meu pescoço. Do mar pequeno que havia ao fundo da tua varanda

(cheirava bem)

e do modo com que morríamos um no outro. Hoje choveu e eu carrego no acelerador como quem declara a

(tua)

ausência

de malmequeres


(amarelos)

ou de camélias

(azuis).

E eu venho do deserto dentro, a lembrar-me de ti, à espera que anuncies

(cativa-me)

que afinal não errámos. Que se eu acelerar muito, afinal

(alto, ao ritmo do som)

ainda te apanho certo no tempo

(pontual, como as estrelas)

com a cadeira ligeiramente desviada para que seja fácil sentar-me

(contigo)

outra vez na tua varanda com o mar

(pequeno)

e com a quietude dos que acertaram sempre. E eu venho

(hoje choveu)

a lembrar-me destas coisas que me fazem

(não)

esquecer

(os erros)

o tempo.

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