Thursday, July 13, 2006

5º Assombro (ou onde eu, sendo muitas, me torno refém de mim)

A tarde está quieta. Quieta e quente. Quase vagarosa

(mente)

arrasta-se. Até que os teus olhos me olham

(quentes)

e dou por mim a pensar e se... e se eu te retribuísse exactamente o mesmo olhar

(quente e inquieto),

e se eu passasse a dizer-te olá ou te sorrisse como quem não quer a coisa

(querendo a coisa, não sei bem o quê, ou imagino o quê, mas...)

e se tu em vez de me entrares olhos adentro com os teus olhos me dissesses

(olá)

com as palavras o que o teu olhar me diz ou me sorrisses

(é o mesmo mas diferente)?

Mas depois

(a tarde está quieta)

olho eu, para mim, com olhos vagarosos

(quietos)

e penso quem sou eu? Quantas sou eu? E a resposta entra-me

(inquieta)

pelos olhos dentro. Eu sou muitas. E a inquietação

(para quem olhas quando olhas os meus olhos com o teu olhar inquieto?)

começa a devolver-me angústias. Multiplico-me como num caleidoscópio

(sem as cores)

e afinal eu, sendo muitas, sou tão pequena que

(para onde olhas quando me olhas com o teu olhar quente?)

mal me vejo. E a inquietação de conseguires ver-me

(mesmo assim)

começa a devolver-me ainda outras ansiedades que não me visitavam há tanto tempo que

(a tarde está tão quente)

recuso as possibilidades. Guardo nas mãos bem fechadas

(para que não me fujam, rebeldes)

todos os e se... e finjo que não te vejo, embora passes mesmo ao meu lado, tão perto que consigo perceber que lavaste os teus cabelos compridos demais, esta manhã.

Mas depois

(estou tão quieta)

sendo muitas, não sei quem sou, sabendo que jamais me verias completamente, se me conhecesses e que

(segura e inquietamente)

eu acabaria por te fazer olhar-me friamente

(porque é assim),

até que reconhecesses que sou insuportável

(mesmo que os meus olhos te pareçam bonitos),

que não passo disto. Destas imagens em caleidoscópio

(sem as cores)

que violentamente parto e desmultiplico. Não passo desta porta entreaberta. Ou passo

(lamentavelmente)

para me encontrar com umas quantas, que sou eu. Sem saber o que fazer quando as encontro. Ou passo

(vagarosamente)

para destruir tudo o que os teus olhos me querem dizer. Até

(friamente)

fazer com que me olhes

(quieto)

e finjas que não me vês. E então, amanhã atravesso o corredor e a meio

(como frequentemente)

vagaroso e cheio de olhos, vais aparecer

(inquieto e quente)

e eu vou voltar a fingir que não te vejo. Vou friamente ignorar os teus olhos

(há quanto tempo não me olhavam assim?)

e continuar a caminhar pelo corredor até ao fundo enquanto te afastas vagaroso

(como a tarde)

e eu me aproximo mais de mim. Deste sítio que sou eu e, sendo muitas, não posso ser
(prisioneira)

mais nada.

4 Comments:

Blogger José Alexandre Ramos said...

Aqui sinto que a multiplicação do sujeito está inerente a uma fuga. Para onde, e do quê, basta lê-lo nas entrelinhas.

Diz-me cá: não revês o texto, sequer? Malandra, andas a enganar-me...

Beijo

13/7/06 4:30 PM  
Blogger Elisa said...

Alexandre
eu sou muitas... mas não engano outros que não eu :-). Não revejo nada. E isso nota-se como o caraças, ora diz lá que não...
Beijos

13/7/06 4:51 PM  
Blogger José Alexandre Ramos said...

Nota-se, mas não como o caraças... quer dizer, são coisas mínimas que te podiam ter passado despercebidas. Eu tenho por vezes a tentação de corrigir esses pormenores, mas isso não afectaria muito... enfim o que disse no comentário do post anterior explica o porquê da minha insistência nesta questão...

14/7/06 7:15 AM  
Blogger Elisa said...

... hum, como é que consegues pensar com o calor que está?

14/7/06 7:25 AM  

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