4º Destroço (ou onde é evidente que me zanguei contigo. A ponto de ficar com os sapatos desfeitos)
Apeteceu-me sempre mandá-los à merda
(vão à merda!)
a cada vez que me perguntam
(mesmo nos sítios mais insuspeitos, mesmo nos mais improváveis instantes, mesmo as pessoas mais inesperadas)
se não me zanguei contigo. Não sem que antes me aconselhem demoradas conversas de mim para mim, preferencialmente ao espelho
(que isto é tudo muito new age ou o raio que os parta)
onde seria suposto insultar-me, bater-me, descontrolar-me e talvez até cortar os pulsos, para um final em grande
(estilo).
Perguntam-me porque não grito, eu, comigo mesma, ao espelho. Porque, ao que parece, deveria ter-me zangado contigo até ficar
(em sangue)
aliviada. E eu ponho esta cara de sonsa que aprendi a fazer
(ao espelho),
faço um sorriso absolutamente amarelo, ensaio a água nos olhos e não lhes respondo
(nada)
que vão à merda. Que me deixem em paz, com o que eu quiser fazer ou dizer ou outra coisa assim, qualquer
(o que eu quiser).
E dou comigo a olhar para os espelhos. Nos sítios mais inesperados. Com as pessoas mais improváveis. Nos mais insuspeitos instantes. A olhar para os espelhos à procura de mim
(para me bater).
E dou por mim à procura dos espelhos. E o que vejo é a minha figura
(tristíssima figura, já que perguntam)
um bocado assustada diante de mim. Diante da mão que se levanta
(uma mão igualzinha à minha)
para me esbofetear, ao mesmo tempo que ouço uma voz
(uma voz igualzinha à minha)
que me pergunta tu não te zangas com ele porquê? E páro
(rigorosamente)
a tempo de não entristecer mais ainda a minha já triste figura. E fico para ali, um bocado, a olhar
(aquela pessoa igualzinha a mim)
e a ter pena dela, como quem devia responder
(nada, rigorosamente)
ó tu, ó coisa, vai à merda! E não responde, coitada. E não respondo, coitada. E passo os espelhos logo a seguir. E cedo à tentação de me entristecer comigo, neles. E penso que com o tempo, tudo se irá embora. Os espelhos. As perguntas. Os conselhos. Mesmo aquela figura
(triste)
que sou eu. E não respondo. Porque é evidente que me zanguei contigo. A cada vez que me perguntaste se não me zangava
(contigo)
poupando-me, porque era de dentro de mim que perguntavas, a cena dos espelhos, das bofetadas, dos pulsos cortados, do sangue. A cada vez que te respondi
(sim, a ti, ao menos a ti)
vai à merda! Nas poucas vezes em que, ao princípio, te procurei no sítio onde puseram o que já não és tu
(mas é tudo o que resta)
e não te encontrei. Só a uma pedra grande, branca de fazer doer os olhos, com muitos bonequinhos com asinhas por cima e muitas cruzes e flores em jarras
(vão à merda!)
e sem árvore nenhuma em cuja sombra eu me sentasse para te ler um bocadinho
(ao que não és tu, mas o que resta),
como antes. Para me ouvir um bocadinho a fingir que eras tu que me ouvias. Para te ouvir um bocadinho a fingir que eras tu que me falavas. E só a pedra grande
(branca de fazer doer não sei o quê cá dentro)
carregada de bonequinhos com asinhas e de cruzes e de jarras de flores a que alguém mudava rigorosamente a água. E eu a encher-me de de uma coisa qualquer
(os ossos, doíam-me os ossos),
a cada vez que tentava não olhar para a tua fotografia
(vão à merda!),
para o teu sorriso tão grande, tão branco
(de fazer doer os olhos).
E os ossos a doer-me mais. E eu à procura de um espelho onde me pudesse bater. Insultar. Cortar os pulsos. Desfazer-me em sangue para te dar sombra. E eu a não ver nada, quase a cegar
(a pedra tão grande, tão branca),
quase a ensurdecer
(os bonequinhos, as asinhas dos bonequinhos, as cruzes, as flores nas jarras a que alguém mudava a água),
quase a perder todos os sentidos
(o teu sorriso, tão bonito o teu sorriso, foda-se!).
E não sei como foi. Nessas vezes. Que me encontrei
(triste figura)
quando a ti te procurava, aos pontapés
(é evidente que me zanguei contigo),
rigorosamente aos pontapés
(como que a esbofetar-me ao espelho, tão new age, o raio que os parta)
à violenta e branca pedra onde puseram o que de ti não sobrou
(tudo o que resta)
cega, surda, sem sentidos
(vai à merda, vai à merda, estás a ouvir?)
e com os sapatos
(rigorosamente)
desfeitos.
14 Comments:
Posso fazer coro contigo?
Que vão à merda.
A nossa vida vivêmo-la nós :)
exactamente, como a(s) nossa(s) mortes. Decidimo-las nós. Morremo-las nós. Vivêmo-las, também, nós.
demasiado lobo antunes, demasiado guedes de carvalho.
e agora vais dizer-me que te saiu isto assim como uma golfada, que não teve nada de técnica? Conjugar simetricamente sentimentos tão diferentes, contrários? não respondas...
Talvez anónimo, talvez.
Respondo, Alexandre. É verdade saiu-me assim exactamente como uma golfada, Não há qualquer técnica. e agora?
Bjo
pronto. és genial, e mais nada. :)
como estás?
Oh oh... genial. Rs. Está bem, abelha!
Cá vou indo.
E tu?
Bjo
Eu cá me aguento. Com muita vontade de lhes mandar à merda
(vão à merda)
mas aguentando.
Beijos, muitos.
Alexandre
és tu que me deves 'carta', não és?
Aguenta sim. Eu também cá vou fazendo os possíveis como dizia uma canção do Sérgio Godinho.
Beijos, muitos também.
Um dia destes acho que voltarei a escrever, agora não me apetece lá muito.
(não, não sou eu que estou em dívida, mas isso não interessa muito...)
(nota: isto é uma seca comentar aqui, desculpa lá, word verification e mais não sei quê...)
;)
ai não? ups... tratarei disso, brevemente. :-))
Pois, tens razão, mas assim evita-se o spam e outras coisas mais.
Bjo
Elisa, eu outra vez... desta para te perguntar se posso pôr um link para o teu blog no meu espacinho.
Eu sei, eu sei, vou asfixiar o meu próprio blog… com uma concorrência assim, já ninguém me lerá… mas isto é tão bom que passo por cima das invejas e dos ciúmes…
Deixas-me?
Filipa
Olá Filipa... és sempre bem vinda, com certeza
:-). Podes pôr o link à vontade. Não asfixias coisa nenhuma, certamente.
Deixo. Claro que deixo
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