3º Assombro (ou onde se descobrem cadeiras vazias, tão vazias. E uma mulher se encontra. Cheia. A rebentar. De espanto)
O que me fez começar a chorar no cinema não foi os filmes terem, de repente, ficado mais comoventes ou tristes ou outra coisa qualquer
(os filmes permanecem aquilo que sempre foram. Um vício. Consumidor. De nós. E da nossa vontade. Uma urgente necessidade. Que nunca me fez chorar, até ter começado a chorar no cinema. Mas o que me fez começar a chorar no cinema não foram os filmes)
mas as cadeiras vazias que começaram a aparecer, de repente, ao meu lado. Mesmo ao meu lado. Onde antes se sentava gente
(ou mais exactamente, tu).
Nunca chorei no cinema.
(Eu, que choro em qualquer lado).
Os livros sempre me fizeram chorar. Alguns documentários sobre as pessoas. Sobre a miséria da vida das pessoas. Sobre as miseráveis pessoas e a vida. Sobre a miséria. A vida. As pessoas. Choro se encontro as pessoas, a vida com a miséria. As pessoas também me comoveram sempre ao ponto de me choverem lágrimas. Mas os filmes
(estranha coisa)
nunca me fizeram chorar. Até começar a chorar no cinema. Não pelos filmes terem ficado
(de repente)
mais tristes ou comoventes
(ou até piores)
mas pelas cadeiras vazias que se começaram a multiplicar ao meu lado. Ou que me parece que começaram a multiplicar-se
(ao meu lado)
onde antes te multiplicavas tu.
Foi com assombro que me encontrei cheia de lágrimas. Logo da primeira vez que fui ao cinema após te teres levantado da cadeira e saído vida fora
(ou morte adentro)
sem aviso. Sem te despedires, como de costume, quando te levantavas e saías realmente
(vida fora).
Esperávamos o filme há muito. Aquele. E logo a primeira vez que fui ao cinema. Foi esse que decidi ver. Foi com espanto que, de repente, dei por mim, lavada em lágrimas. Não foi um choro convulsivo. Foi um choro esquisito
(que nem parecia meu, porque sou torrencial)
um choro tão tranquilo. Como se as lágrimas estivessem desde sempre a escorrer-me pela cara. E isso fosse natural. Como se as lagrímas não chovessem, mas nascessem mansamente. Ou como se as lágrimas estivessem cansadas e quisessem deslizar, como a sossegar-se.
Pensei, primeiro, que era do filme. Toda a gente se suicidava no filme. Ou queria suicidar-se
(todas as personagens procuravam qualquer coisa, eram sombrias, estavam doentes, eram difíceis).
Todas as personagens travavam guerras dentro.
E, primeiro, pensei que era disso. Dessas batalhas que eram um bocadinho minhas, ou da morte que procuravam ou das palavras que diziam ou pensavam dizer, mesmo antes de morrer. Mas depois vi que não era isso
(o que me fez começar a chorar no cinema)
não era o filme ser triste, ou comovente ou demasiado real para ser ficção. Ou demasiado belo para ser verdade. Ou outra coisa qualquer.
O que me fez começar a chorar no cinema foi a cadeira vazia que apareceu, espantosamente, ao meu lado. A mesma cadeira onde antes se sentava gente. A cadeira vazia para onde eu de vez em quando olhava
(à espera da tua mão. Ou só do teu olhar. Ou de certeza do teu sorriso. Ou da certeza. Pronto).
O que me fez começar a chorar no cinema, como se me nascessem rios nos olhos e, ao mesmo tempo, um vulcão estivesse prestes a rebentar cá dentro, não foram os filmes terem ficado mais comoventes. Ou ter eu passado a ver filmes mais tristes. Foram as cadeiras vazias que se multiplicaram de repente
(de repente, mesmo onde antes eu gostava delas)
e se multiplicou a evidência que te tinhas levantado para sempre
(sem me dizeres onde ías).
Agora tanto faz o filme. Dramas. Terrores. Comédias. Horrores. Amores. Desamores. Animações. Desenhos. Autores. Actores. Argumentos. Cenários. Fotografia. Imagens. Sento-me e fico cheia. A rebentar daquelas lágrimas que correm depois tranquilamente
(como se estivessem cansadas e quisessem deslizar, a sossegar-se)
por mim abaixo. Por mim dentro. Como se quisessem evitar a erupção que se me anuncia, no peito
(acho que é no peito. O peito é um sítio tão susceptível como provável para que vulcões nasçam, irrompam e morram).
Assim que me sento e dou conta das cadeiras vazias. Ao meu lado. Mesmo ali onde antes se sentava gente
(ou mais exactamente, tu)
espanto-me. E fico ali sozinha. Com o filme. E a porcaria da água a correr-me cara abaixo. A inchar-me os olhos. A alimentar o vulcão cá dentro, que há-de rebentar
(um dia)
e cobrir tudo de lama incandescente. Até me queimar a pele toda. Até me incendiar as entranhas. Até o fogo me subir aos olhos
(e apagar a água).
17 Comments:
"Vida fora ou morte adentro"...
gosto da frase.
Incandescente, Elisa,
Encandescente é a poetisa :)
Bolas Blah :) em cima.
A culpa do erro foi tua... li tantas vezes encandescente por lá :) que me baralhei. Correcção já feita e eu, agradecida.
Bjo
por lá... quero dizer, pelo Talvez Te Escreva.
De nada, Elisa, de nada. Tenho este teu blogue minimizado aqui em baixo porque estou deliciada a ouvir a música, este 'The Blower's Daugther'. Óptima escolha.
A Encandescente é especial. Gosto mesmo muito daqueles gritos de raiva, cheios de alma. Mas, apagou o blogue e os arquivos. Porque é que vocês fazem coisas assim [sim, tu também já apagaste o Pilar de rompante...]?
É uma música fantástica sim. Conheci-a há um ano e meio no filme Closer. Aliás, filme que dificilmente se esquece. Uma alternativa ao meu eterno jazz.
Sim, ela é especial. Não sei porque apagou o blog. Sei porque apaguei o meu. Comigo as coisas são assim, de rompante.
Fizeste aquele teste que linkei ontem no meu blogue? Do Tickle.
Ainda estou a remoer os resultados...
Quando é que vens a Lisboa? Quando os ananáses cairem de maduros?
Não fiz. Achas que faça? Não tenho paciência normalmente para aqueles testes...hum...
Devo ir a Lisboa no próximo fim de semana.
Depois digo.
Faz lá. Vá lá. Demora uns 3 minutos a fazer e uns três dias a apreender o resultado :)
Fim de semana. Boa, boa. Então diz e combinamos um almoço, lanche ou jantar ou tudo junto. A minha criança vai na sexta-feira para o Porto [passar o S.João com o pai] e tenho o fim de semana livre.
Olá ! Passei pelo teu blogue. Sei que vou voltar.Ensinas-me a pôr música no meu blog ?
Blah
Farei e logo te direi se o resultado me assombra.
Almoçar comigo é extremamente difícil. Durmo até às tantas. Deito-me às tantas. De onde... um lanche ou um jantar num sítio simpático era melhor. Mas combinamos. E o João, achas que alinha também?
Eu sexta-feira telefono.
Isto não parece uma caixa de comentários... mas papelinhos colados no frigorífico. :)
Rui
Volta sim.
Por mail seguiu a indicação sobre como pôr música nos blogs. Qualquer dia começo a cobrar. Mas está bem assim. A mim quem me ensinou foi o JOS do grande Turno Da Noite :)
Blah
Afinal não faço. Parece que tenho de me inscrever não sei em quê. Não me apetece. E eu já sei como amo. Ou como não amo. Rs. Não vale a pena.
Já estás inscrita, lembras-te? ;)
O assunto Lisboa, falamos quando quiseres mas, já te escrevo um email.
Estou?
hum... tenho uma vaga ideia, mas não sei do login nem da password, tal como perdi o login e a password de muitas outras coisas.
Sim, senhora quanto ao resto.
Beijos
Belo texto sobre as cadeiras vazias no cinema. E sobre as lágrimas. E sobre as ausências. Continua a escrever, mas também sobre as "presenças". Elas andam por ai...
LA
Muito obrigada. Continuarei a escrever, enquanto me der gozo. Claro que as presenças andam aí. São elas que originam todas as ausências. Mas talvez eu só seja capaz de escrever sobre as ausências. Porque... as presenças não fazem falta, existem ainda, estão aqui.
Um beijo
Gostei particularmente da imagem das lágrimas "como se estivessem cansadas e quisessem deslizar, a sossegar-se".
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