2º Regresso (ou onde aparece de novo uma mulher sem talento. Não a mesma. E se ouvem vozes)
(Há tantas vozes dentro de uma pessoa. Qual é a verdadeira?)
Nunca tive talento para nada. Ou para pouca coisa. Tenho olhos. E mãos. E braços. E pernas. Um corpo. Mas é tudo a mais. Olhos a mais. Mãos a mais. Braços a mais. Pernas a mais
(há tantos corpos dentro de uma pessoa. Qual é o verdadeiro?)
Dissolvo-me na demasia do meu corpo. Não sei que fazer com tantas vozes, com tantos olhos, com tantas mãos, com tantos braços, com tantas pernas. Dissolvo-me.
Por vezes dizem-me tens uns olhos tão bonitos. E eu penso falarão de quais? Outras vezes confrontam-me com a magia das minhas mãos ou a estreiteza dos meus braços e eu pergunto(me) de que falam? Ainda de outras vezes recriminam-me não dizes coisa com coisa e eu sei
(há tantas vozes dentro de uma pessoa)
o que querem dizer. De vez em quando ouço umas vozes dentro da minha cabeça. Vozes sussurrantes. Vozes que gritam. Vozes tristes. Vozes felizes. De vez em quando ouço umas vozes. Não sei se os outros as ouvem ou sou só eu que sei
(há tantas vozes dentro de uma pessoa)
o que as vozes me dizem
(qual será a verdadeira?)
Dissolvo-me em ausências. De outros corpos. Com olhos e mãos e braços e pernas a mais. Esses outros corpos que me fugiram. E que levaram as suas vozes. Em dias como hoje queria estar inteira. A uma só voz. Sem nada que me sobrasse. Mas não tenho talento para nada. Nunca tive talento para nada. Ou para muito pouca coisa. Nem para me reunir. Para reunir os cacos. Das ausências sucessivas dos outros
(que me imponho)
que me fugiram. E eu não sei porquê
Nunca tive talento para nada. Ou para pouca coisa. Tenho olhos. E mãos. E braços. E pernas. Um corpo. Mas é tudo a mais. Olhos a mais. Mãos a mais. Braços a mais. Pernas a mais
(há tantos corpos dentro de uma pessoa. Qual é o verdadeiro?)
Dissolvo-me na demasia do meu corpo. Não sei que fazer com tantas vozes, com tantos olhos, com tantas mãos, com tantos braços, com tantas pernas. Dissolvo-me.
Por vezes dizem-me tens uns olhos tão bonitos. E eu penso falarão de quais? Outras vezes confrontam-me com a magia das minhas mãos ou a estreiteza dos meus braços e eu pergunto(me) de que falam? Ainda de outras vezes recriminam-me não dizes coisa com coisa e eu sei
(há tantas vozes dentro de uma pessoa)
o que querem dizer. De vez em quando ouço umas vozes dentro da minha cabeça. Vozes sussurrantes. Vozes que gritam. Vozes tristes. Vozes felizes. De vez em quando ouço umas vozes. Não sei se os outros as ouvem ou sou só eu que sei
(há tantas vozes dentro de uma pessoa)
o que as vozes me dizem
(qual será a verdadeira?)
Dissolvo-me em ausências. De outros corpos. Com olhos e mãos e braços e pernas a mais. Esses outros corpos que me fugiram. E que levaram as suas vozes. Em dias como hoje queria estar inteira. A uma só voz. Sem nada que me sobrasse. Mas não tenho talento para nada. Nunca tive talento para nada. Ou para muito pouca coisa. Nem para me reunir. Para reunir os cacos. Das ausências sucessivas dos outros
(que me imponho)
que me fugiram. E eu não sei porquê
(ou sei. Mas não interessa)
Não sei qual foi o olhar, a voz, que os fez fugir. Sei apenas que fugiram por eu ter tantas coisas em demasia. E não ser capaz de reconhecer as verdadeiras.
As pessoas têm tantas certezas
(quais serão as certas?)
As pessoas têm a certeza que só há um caminho. Uma voz. Um olhar. Uma verdade. Sobre qualquer coisa. A mim falta-me o talento onde me sobram membros, olhos e vozes.
Em dias como este, fico mais paciente. Não sei porquê. Sinto as saudades a esmagar-me a cara toda. Tenho um buraco fundo dentro. A tua ausência. E ouço as vozes na minha cabeça
(qual será a verdadeira?)
Uma espera:
«meu amor, reconheço que errei. Tu trouxeste apenas alegria à minha vida. E eu sacudi-te com os meus múltiplos braços para fora dela. Meu amor, se regressasses, eu ficaria bem. Tenho a certeza que não ouviria tantas vozes e que os meus braços e pernas seriam só dois. De cada. Como é natural. Teria só dois olhos e seriam teus. E como antes podíamos ser felizes. Devias desculpar-me tudo. Até a mentira que te atirei como verdade. A última maldade ditada por uma voz qualquer que ouvi então. Devias voltar a amar-me. Para que tudo fizesse novamente sentido e eu regressasse a mim. E pudesse ter certezas. Como qualquer pessoa tem».
Outra suplica:
«manuel, eu não sou eu. Enlouqueci por tanto te querer e por não saber que também me querias do mesmo modo. Desculpa o que te fiz, por favor... por favor... regressa aos meus braços (mesmo que sejam muitos), deixa-me olhar para ti outra vez (com os meus mil olhos)... por favor... 'deixa-me ser a tua sombra, a sombra da tua mão, a sombra do teu cão'... mas não me deixes aqui sozinha, porque morro».
Outra resmunga:
«Estúpido. Fico muito melhor sem ti. Com todos estes braços e olhos e vozes, para abraçar outros, para falar a outros, para olhar para outros. Ainda bem que te foste embora. Não te atrevas a falar mais comigo. Seja por que razão for. Cansei-me da tua incompreensão. Cansei-me que para ti o amor fosse uma coisa tão pouca. Ainda bem que te foste. Não voltes nunca mais. Estou cansada. Exausta. Quero pessoas novas, coisas novas... quero tudo novo na minha vida. Adeus».
Outra provoca:
«manuel, se achas que foste o único, estás enganado. Informo-te que dormi com quase todos os teus amigos e que todos eles se revelaram melhores homens que tu. Lamento dizer-te isto assim. Já sei que vais dizer que sou uma cabra. Vais acordar-me de madrugada e vais chamar-me 'cabra de merda'. Ora sou cabra sim, nunca o escondi. Mas, pelo menos, resta-me o consolo de homem nenhum, nunca, me ter deixado por uma coisa tão prosaica como outra mulher. Deixaste-me porque eu tenho olhos a mais. Vozes a mais. verdades a mais. Eu sei lá. Mas queria que soubesses disto. Que dormi com eles sim. E com outros. Isso não faz de mim pior mulher ou de ti pior homem. Mas faz de mim aquilo que, de madrugada, me vais chamar. E sabes? Manuel... ouvir-te chamar-me isso, enquanto desenrolo os meus demasiados braços e pernas de dentro do sono, faz-me desejar-te até ao insuportável».
Outra esquece, mas hesita:
«amélia, não olhes para o lado. Ou para trás. Não penses mais. Ele não te quer. Pois se te quisesse não teria vindo procurar-te? Não te telefonava? Não te mandava uma carta? Não abalaria a correr por aí acima para te abraçar? Ah mulher! É no que dá! Braços a mais, pernas a mais, olhos a mais. Vozes a mais. Assim não chegas lá. O melhor é andares para a frente. Esqueceres-te dele. Sim, se se deu ao trabalho de te chamar cabra às 6 da manhã, sabendo bem que estarias a dormir, é porque ainda sente alguma coisa... qual coisa? Mera reacção de vingança contra o que lhe disseste, a verdade mais mentirosa que lhe atiraste, só porque sim. É bem feito! Para que aprenda! Mas aprenda o quê? Na verdade, não devias ter feito aquilo. O feito, feito está? Amélia, rapariga, és mesmo cabra. Não te rias de ti mesma. És má. Pois, má mesmo. E sem talento para nada. Ele amava-te não era? E tu que fizeste? Pois, Amélia, sem talento. Agora, olha, esquece».
Não tenho talento para nada. Talvez só para me dissolver no meio das vozes que me ocupam. Em dias como este. Ou noutros dias quaisquer. Quando me vejo cheia de braços e de pernas e de olhos e de ausências. Nunca tive talento para nada. E ouço todas estas vozes
(há tantas vozes dentro de uma pessoa. Qual será a verdadeira?)
5 Comments:
Descobrir este blog foi uma imensa surpresa!
Texto excelente. Parabéns.
Que vontade de regressar...
Regressa então George, cada vez que te apeteça. Obrigada.
Voltarei certamente.
E és, também, bem vinda ao meu blog.
Pode haver muitas vozes na consciência mas não é isso que define as pessoas, é o carácter.
E carácter só conheço dois géneros: mau carácter e bom carácter.
É claro que ser cabra camufla o bom carácter e ser sonsa camufla o mau carácter...
Hum... e o carácter assim a assim? ;-)... de qualquer modo se pudesse preferir, preferia ser cabra a sonsa. Claro.
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