Friday, February 09, 2007

11º Assombro (ou onde estou há longos minutos...)

(de onde chegam as palavras, quando chegam?)
com os nós dos dedos brancos de tanto apertar as mãos à procura de outras, não sei se as tuas, que me desfaçam as solidões, as saudades, os lugares todos onde estive já e
(onde chegamos, depois de todos os lugares onde estivemos?)
nada acontece. Para além da janela as luzes continuam a existir, alheias à solidão dos meus dedos, à súbita amnésia da minha boca
(não quero dizer nada e, no entanto, estou sentada há longos minutos à espera das palavras)
que já raramente se abre, esquecida dos beijos, das pálpebras, do tecido dos corpos quando amam. Para além da janela os autocarros continuam
(a passar)
a lembrar-me as viagens que se fazem para sítios tão longínquos
(todos os lugares onde estive)
como outras mãos que se apertam tecendo pequenas penínsulas de ternura que nos salvam
(abro a janela)
das primeiras horas impossíveis da manhã. As mesmas em que me sento na cadeira, longos minutos, à espera que qualquer palavra chegue e me faça
(saltar)
querer voltar a aconchegar-me ao sono tranquilo dos que não procuram com os nós dos dedos brancos, um continente onde ancorar o medo
(chegar)
de não ser capaz de encontrar o caminho de regresso de todos os lugares onde já teci as palavras, os beijos, a pele. Chego-me à janela e vejo os autocarros vazios
(é uma hora impossível)
que passam no sossego de quem esquece as viagens que se fazem dentro
(longe é onde?)
até ao fundo da noite, com as janelas abertas ao salto
(voar é como?)
que não acontece nunca, porque as palavras
(como facas afiadas, rasgando nuvens)
encontram-me sempre, segurando-me ao parapeito como outras mãos
(não sei se as tuas)
a desfazer-me os dedos solitários.
* o mote foi dado pelo belo texto do Alexandre - A mesma viagem

Thursday, February 01, 2007

10º Destroço (ou o silêncio. A revelação)

Podia ser mais leve a evidência
(e às vezes é)
do corpo cansado que deixou de esperar
(embora pareça que espera, pela posição quieta das mãos sobre os joelhos).
Não volto a ter vinte anos e tendo dito isto
(silêncio)
é certo que podia ser mais leve a evidência de que os teus olhos me estão vedados
(embora não pareça pelo que neles haveria, se me visses).
Podia ser mais leve a revelação da tua boca
(se eu soubesse ainda imaginar)
lavrando caminhos novos sobre aquilo que me resta do corpo que deixei aos vinte anos
(podia ser menos cruel).
É certo que tudo em ti me está vedado
(uma parede)
como se fosses um desejo lento e longo
(isto dói-me)
que eu trouxe de mim, quando era eu que tinha
(vinte anos)
uma boca que revolvia corpos à procura
(mas isso foi há muito tempo)
de ti, mesmo sem saber que existias
(onde estavas quando eu tive vinte anos?).
Podiam ser menos verdade as tuas mãos que nunca pousas sobre os joelhos
(são gestos de velho)
porque tens pressa. E ainda não sabes que o tempo é lento e longo
(como os desejos que não se cumprem)
e que às vezes nos dói e não sabemos onde e não sabemos quando e não sabemos como. Podia ser mais enganadora
(a verdade)
a evidência do meu sangue agitado
(apesar do sossego à superfície da pele)
quando ouso imaginar que nada em ti não pode senão pertencer-me, como pertencem as ruas aos pássaros e os gritos à noite. Podia ser mais leve a evidência
(gostava de te amar)
de que me doem os ossos todos à força de manter as mãos quietas
(e tremo)
sobre os joelhos, tentando ignorar o incumprido desejo de te fazer morrer, como uma cidade que se afunda
(para onde foram os pássaros?),
de amor, ou apenas de mim quando tinha vinte anos e pressa e não sabia que o tempo é lento e longo e nos dói
(já não grito)
precisamente, exactamente, como uma faca a remexer-nos a carne. Podia ser menos dura a verdade desta dor
(esta, aqui, agora mesmo)
sem boca
(ou o silêncio)
que me revela
(para sempre)
perdida nos teus olhos.
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